quinta-feira, 25 de agosto de 2011

Beth Cheirosinha: "Paixão e orgulho de ser erveira do Ver-o-Peso"

Beth é erveira na maior feira livre da América Latina, o Ver-o-Peso. Descendente de indígenas e ex-escravos, nasceu em Belém, no bairro do Guamá, onde vive até hoje. É neta e filha de erveiras, de quem herdou o conhecimento tradicional sobre as plantas da floresta, hoje repassado à filha. São 45 anos de profissão e muitas palestras Brasil afora. Já foi convidada para sair do Pará, mas recusou o convite. Preferiu continuar recebendo pessoas em sua barraca no Ver-o-Peso.


Alô freguês, bom dia meu lindo, vá chegando que aqui a casa é nossa”. É impossível passar pelo setor de ervas, que existe na feira do Ver-o-Peso, e não ouvir pelo menos uma saudação igual a esta.

Tanto calor humano, simpatia e carinho vêm sendo repetidos e aprimorados há dezenas de anos pelas erveiras e erveiros, pessoas que aprenderam com os pais, avós e bisavós os segredos de perfumes, sabonetes, banhos e outras centenas de itens produzidos pela mistura de ervas, cujas raízes são fincadas na Amazônia, mas que já ganharam adeptos – anônimos e celebridades - em todo o Brasil e exterior.

Tão antiga quanto as lendas que povoam o imaginário amazônico, a tradição de tomar banhos com os aromas do patchouli, alfazema, alecrim, priprioca, jasmim, sândalo e talo de mandioca, dentre outros, faz parte da cultura parauara. É mais difícil encontrar um paraense, nascido e criado no Estado, que nunca tenha experimentado um banho de cheiro do que o contrário. E a variedade dos aromas e suas aplicações é tão grande que, além da divulgação maciça nos meios de comunicação, o assunto já é um clássico da literatura: no livro “Banho de Cheiro”, a escritora Eneida de Moraes descrevia as maravilhas do “Banho da Felicidade” e seus encantos; isso em 1962.


Não se sabe exatamente se o trabalho das erveiras é uma herança indígena ou cabocla. De uma coisa todas têm certeza: a tradição é centenária e vai sendo repassada, orgulhosamente, de mãe para filhos. “Comecei, ainda criança, misturando as ervas e preparando os banhos que mamãe vendia. Hoje também trabalho com os produtos e sei muita coisa que só o passar dos anos ensina”, diz Leila do Socorro, uma das três filhas de Clotilde Melo de Souza, a dona Coló, erveira há mais de três décadas.

Para agregar esses profissionais, foi criada inclusive, há três anos, a Ver-as-Ervas – Associação de Erveiras e Erveiros do Ver-o-Peso, que reúne 102 membros e um universo de, aproximadamente, 500 pessoas. Um dos objetivos da entidade, sem fins lucrativos, é buscar a sustentabilidade das erveiras, mas sem perder a identidade, preservando a cultura e biodiversidade amazônicas. “Fazemos até um apelo a quem aprecia os banhos de ervas: comprem os produtos somente com profissionais de confiança. Há gente, que não sabe fazer as misturas, vendendo banhos a esmo nas ruas. Aqui nós trabalhamos com o produto há muitos anos e garantimos a sua eficácia”, acrescenta Leila, que faz parte da diretoria da Associação.

Para as erveiras, tirando a morte, há remédio para tudo: da cura dos males do coração, de doenças do corpo e da mente, ao sucesso nos negócios. Para afastar o famoso “olho gordo”, a lista inclui banhos de “hei de vencer”, “comigo-ninguém-pode” e “vence-batalha”. Um amor não correspondido tem como receita “chora-nos-meus-pés”. E para os comerciantes quebrarem recordes de vendas, nada como o “chama-tudo”, dizem as profissionais.

Conhecimento chega às escolas


Bernadeth Costa é um nome anônimo, mas fale em Beth Cheirosinha que logo vêm à mente a imagem da erveira que há 43 anos trabalha no Ver-o-Peso e que já percorreu boa parte do Brasil divulgando a feira da qual sua mãe, Maria de Lourdes das Mercês, a dona Cheirosa, é um dos maiores mitos. A agenda de Beth inclui palestras em escolas, universidades, congressos e variados eventos, sempre falando dos mais de dois mil produtos derivados de ervas.

“Temos clientes estrangeiros que não entendem nosso idioma e trazem intérpretes. Mas quando sentem os aromas de nossas raízes, compreendem tudo”, diz a dona Cheirosinha, que faz da barraca na feira a sua casa, onde se sente segura, feliz e realizada. “Já me fizeram propostas para sair do Pará, ganhar muito dinheiro e viver luxuosamente, mas sem a minha família, os amigos e longe da minha terra, que muito me orgulha, a vida não faz sentido”, emociona-se ela.

Vizinha de banca de Beth Cheirosinha, a erveira Clotilde Melo de Souza, a dona Coló, vai buscar na avó a origem da dinastia, que hoje já repassou aos netos os conhecimentos adquiridos em 33 anos de trabalho diário. “Minha mãe aprendeu a trabalhar com minha avó e me repassou o que sabia. Minhas filhas já seguem a tradição e as filhas delas também já são apaixonadas pela nossa cultura e raízes. Só paro de trabalhar com ervas no dia em que eu morrer. Não me imagino fazendo outra coisa na vida a não ser vivendo dos nossos produtos. Agradeço muito a Deus e a Oxalá por ser paraense e poder trabalhar com o que trabalho”, diz dona Coló.


As erveiras são um capítulo à parte na mundialmente famosa feira do Ver-o-Peso. Os banhos, sabonetes, perfumes, cremes, pomadas e demais produtos têm receitas repassadas de mãe para filhos e filhas, há mais de cem anos, e são apreciadas em todo o Brasil e no mundo. Se corretamente aplicados, segundo as erveiras e sua simpatia contagiante, os produtos, que têm entre seus adeptos celebridades como a cantora Fafá de Belém e a atriz Cláudia Raia, têm eficácia comprovada e resolvem problemas financeiros, amorosos e de saúde.


Para mais informações sobre o TEDxVer-o-Peso

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